Uma decisão da presidenta do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte
(TJ/RN), desembargadora Judite Nunes, frustrou uma tentativa da
Prefeitura de Natal de conseguir a transferência de aproximadamente R$
70 milhões para a conta única do município. A magistrada considerou
inconstitucional a lei de n.º 6.300/2011, cujo teor autorizava a
transferência de 70% dos depósitos sob a guarda judicial para a conta
única do município. Ela desautorizou ainda o remanejamento de qualquer
montante depositado judicialmente, exceto nos casos em que houver
deliberação dos próprios juízes. A decisão de Judite Nunes foi publicada
no Diário Oficial da Justiça (DOJ) de ontem em resposta a ofício da
Gerência Geral da Agência Setor Público do Banco do Banco do Brasil
S.A., que consultou a chefe do Poder Judiciário sobre a lei em vigor
desde o dia 7 deste mês.
Júnior Santos
Judite Nunes aponta que lei municipal desrespeitou a independência entre os Poderes
Judite Nunes aponta que lei municipal desrespeitou a independência entre os Poderes
O
TJ/RN já demostrava contrariedade com a lei desde a semana passada,
quando o corregedor-geral de Justiça, desembargador Cláudio Santos,
recomendou aos juízes que não permitissem qualquer transferência de
valores tendo como base a lei municipal em vigor. Na decisão de ontem,
Judite Nunes enfatizou que a lei municipal dispõe de vício de
inconstitucionalidade, afrontando a independência e autonomia entre os
Poderes no momento em que invade a sua competência de gerir os
depósitos. A lei aprovada e sancionada na esfera municipal tem
inspiração na lei federal n.º 11.429/2006. No entanto, a presidente
Judite Nunes destacou que a legislação em referência trata tão somente
de depósitos de natureza tributária e, além disso, exclui o ente
municipal de sua abrangência. "Partindo deste pressuposto, é de se
observar que o exercício da função administrativa de gestor superior da
administração deste Poder Judiciário impõe que todas as ações estejam em
constante observância da Constituição. Analisando a matéria, o Supremo
Tribunal Federal permite ao chefe de Poder negar aplicação a preceito
normativo flagrantemente inconstitucional", assinalou a desembargadora
na decisão. O corregedor-geral Cláudio Santos salientou também
que a lei municipal contraria ainda posicionamento do Supremo Tribunal
Federal (STF), que reconhece sendo exclusivamente do Poder Judiciário a
prerrogativa de administrar a conta única dos depósitos judiciais e
extrajudiciais. "A lei usurpa a competência exclusiva do Poder
Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte, violando o disposto no art.
80 da Constituição Estadual e artigo 2ª da Constituição Federal, pelo
que não deve ser observada, até eventual pronunciamento judicial a
respeito", destaca a recomendação da Corregedoria. O termo
"depósito judicial" pode ser conceituado como aquele determinado por
ordem do magistrado, independente de requerimento, ou através de
solicitação de interessado. No caso do Rio Grande do Norte, o Banco do
Brasil é o responsável pelo gerenciamento e processamento de todos os
depósitos judiciais, conforme consta no contrato nº 125/2009, assumindo o
Tribunal de Justiça a função de gestor de referidas contas bancárias.
Procurador afirma que vai buscar o consenso
O
procurador-geral do município, Bruno Macedo, vai ao Tribunal de Justiça
ainda hoje no intuito de dialogar com a presidente Judite Nunes e
tentar reaver o posicionamento adotado pelo Poder Judiciário no que
concerne a lei dos depósitos judiciais. Segundo ele, há um precedente do
Supremo Tribunal Federal no sentido de que os montantes sob a guarda
judicial não estão submetidos à função jurisdicional e é essa a tese
que pretende levar à magistrada. "Ainda estamos discutindo essa questão,
mas de antemão podemos dizer que o primeiro passo é buscar um consenso
com o Tribunal", enfatizou ele. A decisão da desembargadora diz
exatamente o contrário do que defende o procurador municipal. Ela
utiliza inclusive parâmetros do próprio STF para taxar de
inconstitucional a lei aprovada. Mas Bruno Macedo assegura que o
precedente do Supremo se insere em lei idêntica do Distrito Federal,
cuja Ação de Inconstitucionalidade (ADI) foi julgada improcedente. A
determinação da presidente do TJ é de caráter administrativo e caso o
município não obtenha êxito na tentativa de mudança do quadro poderá
ainda ingressar com mandado de segurança nos tribunais superiores. A
desembargadora Judite Nunes determinou ainda que fosse enviada cópia da
decisão à Procuradoria Geral de Justiça para conhecimento e para as
providências que entender cabíveis em relação à inconstitucionalidade
apontada. A determinação será enviada também para os juízes da Comarca
de Natal no intuito de serem comunicados do entendimento da presidência
sobre o assunto.
Líder da prefeita na Câmara diz "estranhar" decisão de Judite
O
líder da prefeita Micarla de Sousa na Câmara Municipal de Natal,
vereador Enildo Alves (DEM), disse que "estranha" a decisão da
presidente do TJ/RN, desembargadora Judite Nunes, de desautorizar as
transferências de depósitos judiciais como diz a lei municipal em vigor.
Ele destacou que outras capitais do país adotaram o mesmo procedimento,
entre elas São Paulo, com legislação similar, o que mostra que a
constitucionalidade da lei é um entendimento em outras localidades. O
vereador observou ainda que o recurso em questão pertence a um
contribuinte que já reconhece a dívida com o município e que seria justo
a liberação dos montantes. "Eu fiquei surpreso com essa decisão porque
esses depósitos judiciais pertencem ao município", atestou o
parlamentar. Enildo Alves informou também que a dívida geral de
contribuintes com o município de Natal chega a R$ 1 bilhão. A ideia de
apresentar o projeto de lei com fim de liberar a transferência dos
depósitos judiciais para a conta única do município, segundo Enilso, foi
do vice-prefeito Paulo Freire (PP). "Paulinho trouxe a ideia numa
reunião dizendo que outras capitais também tinham esse procedimento",
lembrou.
Vereador de oposição quer Ação de Inconstitucionalidade
O
vereador Raniere Barbosa (PRB), um crítico da lei que trata da
transferência de depósitos judiciais desde o período em que o projeto
estava em tramitação na Câmara Municipal de Natal, assinalou ontem que o
entendimento da desembargadora Judite Nunes corrobora o que afirmara a
oposição quando da votação da matéria no legislativo municipal. "Além
de ter votado contra eu disse que seria feito uma ADI [Ação Direta de
Inconstitucionalidade] porque era inconcebível essa lei, era notória a
inconstitucionalidade", opinou o parlamentar. A ADI pode ser impetrada
pelo Ministério Público, partidos políticos, Ordem dos Advogados do
Brasil e entidades de classe. Raniere tem destacado seu
argumento no fato de que um depósito judicial somente passa à
propriedade do Poder Público quando se consolida a decisão do
magistrado. "A prefeita justificou que ia colocar 70% desse valor para
pagamento de dívidas correntes, se ela não paga com os recursos próprios
imagine utilizar uma verba que não sabe nem se é dela", ressaltou. O
parlamentar do PRB destacou ainda que a aprovação o envio de leis
inconstitucionais pelo município só vem a reforçar as declarações
emitidas pela oposição de que a Prefeitura é "desqualificada".
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