sexta-feira, 28 de outubro de 2011

DESCE PARA O INTERIOR, DESEMBARGADORA!

Uma decisão da presidenta do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJ/RN), desembargadora Judite Nunes, frustrou uma tentativa da Prefeitura de Natal de conseguir a transferência de aproximadamente R$ 70 milhões para a conta única do município. A magistrada considerou inconstitucional a lei de n.º 6.300/2011, cujo teor autorizava a transferência de 70% dos depósitos sob a guarda judicial para a conta única do município. Ela desautorizou ainda o remanejamento de qualquer montante depositado judicialmente, exceto nos casos em que houver deliberação dos próprios juízes. A decisão de Judite Nunes foi publicada no Diário Oficial da Justiça (DOJ) de ontem em resposta a ofício da Gerência Geral da Agência Setor Público do Banco do Banco do Brasil S.A., que consultou a chefe do Poder Judiciário sobre a lei em vigor desde o dia 7 deste mês.

Júnior SantosJudite Nunes aponta que lei municipal desrespeitou a independência entre os Poderes
Judite Nunes aponta que lei municipal desrespeitou a independência entre os Poderes
O TJ/RN já demostrava contrariedade com a lei desde a semana passada, quando o corregedor-geral de Justiça, desembargador Cláudio Santos, recomendou aos juízes que não permitissem qualquer transferência de valores tendo como base a lei municipal em vigor. Na decisão de ontem, Judite Nunes enfatizou que a lei municipal dispõe de vício de inconstitucionalidade, afrontando a independência e autonomia entre os Poderes no momento em que invade a sua competência de gerir os depósitos. A lei aprovada e sancionada na esfera municipal tem inspiração na lei federal n.º 11.429/2006. No entanto, a presidente Judite Nunes destacou que a legislação em referência trata tão somente de depósitos de natureza tributária e, além disso, exclui o ente municipal de sua abrangência. "Partindo deste pressuposto, é de se observar que o exercício da função administrativa de gestor superior da administração deste Poder Judiciário impõe que todas as ações estejam em constante observância da Constituição. Analisando a matéria, o Supremo Tribunal Federal permite ao chefe de Poder negar aplicação a preceito normativo flagrantemente inconstitucional", assinalou a desembargadora na decisão. O corregedor-geral Cláudio Santos salientou também que a  lei municipal contraria ainda posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconhece sendo exclusivamente do Poder Judiciário a prerrogativa de administrar a conta única dos depósitos judiciais e extrajudiciais. "A lei usurpa a competência exclusiva do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte, violando o disposto no art. 80 da Constituição Estadual e artigo 2ª da Constituição Federal, pelo que não deve ser observada, até eventual pronunciamento judicial a respeito", destaca a recomendação da Corregedoria. O termo "depósito judicial" pode ser conceituado como aquele determinado por ordem do magistrado, independente de requerimento, ou através de solicitação de interessado. No caso do Rio Grande do Norte, o Banco do Brasil é o responsável pelo gerenciamento e processamento de todos os depósitos judiciais, conforme consta no contrato nº 125/2009, assumindo o Tribunal de Justiça a função de gestor de referidas contas bancárias.

Procurador afirma que vai buscar o consenso

O procurador-geral do município, Bruno Macedo, vai ao Tribunal de Justiça ainda hoje no intuito de dialogar com a presidente Judite Nunes e tentar reaver o posicionamento adotado pelo Poder Judiciário no que concerne a lei dos depósitos judiciais. Segundo ele, há um precedente do Supremo Tribunal Federal no sentido de que os montantes sob a guarda judicial não estão submetidos à função jurisdicional  e é essa a tese que pretende levar à magistrada. "Ainda estamos discutindo essa questão, mas de antemão podemos dizer que o primeiro passo é buscar um consenso com o Tribunal", enfatizou ele. A decisão da desembargadora diz exatamente o contrário do que defende o procurador municipal. Ela utiliza inclusive parâmetros do próprio STF para taxar de inconstitucional a lei aprovada. Mas Bruno Macedo assegura que o precedente do Supremo se insere em lei idêntica do Distrito Federal, cuja Ação de Inconstitucionalidade (ADI) foi julgada improcedente. A determinação da presidente do TJ é de caráter administrativo e caso o  município não obtenha êxito na tentativa de mudança do quadro poderá ainda ingressar com mandado de segurança nos tribunais superiores. A desembargadora Judite Nunes determinou ainda que fosse enviada cópia da decisão à Procuradoria Geral de Justiça para conhecimento e para as providências que entender cabíveis em relação à inconstitucionalidade apontada. A determinação será enviada também para os juízes da Comarca de Natal no intuito de serem comunicados do entendimento da presidência sobre o assunto.

Líder da prefeita na Câmara diz "estranhar" decisão de Judite

O líder da prefeita Micarla de Sousa na Câmara Municipal de Natal, vereador Enildo Alves (DEM), disse que "estranha" a decisão da presidente do TJ/RN, desembargadora Judite Nunes, de desautorizar as transferências de depósitos judiciais como diz a lei municipal em vigor. Ele destacou que outras capitais do país adotaram o mesmo procedimento, entre elas São Paulo, com legislação similar, o que mostra que a constitucionalidade da lei é um entendimento em outras localidades. O vereador observou ainda que o recurso em questão pertence a um contribuinte que já reconhece a dívida com o município e que seria justo a liberação dos montantes. "Eu fiquei surpreso com essa decisão porque esses depósitos judiciais pertencem ao município", atestou o parlamentar. Enildo Alves informou também que a dívida geral de contribuintes com o município de Natal chega a R$ 1 bilhão. A ideia de apresentar o projeto de lei com fim de liberar a transferência dos depósitos judiciais para a conta única do município, segundo Enilso, foi do vice-prefeito Paulo Freire (PP). "Paulinho trouxe a ideia numa reunião dizendo que outras capitais também tinham esse procedimento", lembrou.

Vereador de oposição quer Ação de Inconstitucionalidade

O vereador Raniere Barbosa (PRB), um crítico da lei que trata da transferência de depósitos judiciais desde o período em que o projeto estava em tramitação na Câmara Municipal de Natal, assinalou ontem que o entendimento da desembargadora Judite Nunes corrobora o que afirmara a oposição quando da votação da matéria no legislativo municipal.  "Além de ter votado contra eu disse que seria feito uma ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] porque era inconcebível essa lei, era notória a inconstitucionalidade", opinou o parlamentar. A ADI pode ser impetrada pelo Ministério Público, partidos políticos, Ordem dos Advogados do Brasil e entidades de classe.  Raniere tem destacado seu argumento no fato de que um depósito judicial somente passa à propriedade do Poder Público quando se consolida a decisão do magistrado. "A prefeita justificou que ia colocar 70% desse valor para pagamento de dívidas correntes, se ela não paga com os recursos próprios imagine utilizar uma verba que não sabe nem se é dela", ressaltou. O parlamentar do PRB destacou ainda que a aprovação o envio de leis inconstitucionais pelo município só vem a reforçar as declarações emitidas pela oposição de que a Prefeitura é "desqualificada".

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