sábado, 23 de março de 2013

A REALIDADE QUE DOI

Cadeia mesmo só para os pobres

Quando a justiça triunfa, mesmo significando cadeia para um criminoso, há sempre que se alegrar. Fui tomado por esse sentimento, dias atrás, ao ler a notícia de que uma motorista havia sido presa após furar uma blitz da polícia, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro.  Os delitos cometidos – sejamos sérios – não eram tão graves em relação a tantos outros diariamente comentados pela mídia. Não obstante, para minha surpresa, a notícia teve ampla repercussão na imprensa carioca, com direito a foto na primeira página.
Foto: Adenilson Nunes/Governo da Bahia
Foto: Adenilson Nunes/Governo da Bahia
Christiane Ferraz Magarinos, comerciante de 42 anos, realmente exagerou. Não satisfeita de ter furado uma blitz da Operação Lei Seca, quase atropelou o agente que tentava pará-la e, ao ser abordada na garagem de casa, tentou subornar os policiais que a convidavam a segui-los para a delegacia. Frustrada pelo insucesso de suas manobras, ela não conseguiu reprimir a íntima natureza e finalmente explodiu: “Neste País só pobres e favelados ficam presos. Eu sou rica e influente!”
Para glória da República, seu dinheiro e posição social não alcançaram o efeito desejado e, diligentemente, os policiais a levaram presa, em evidente estado confusional, recebendo em troca chutes e palavrões. No dia seguinte, a juíza da 17ª Vara Criminal do Estado do Rio confirmou a prisão preventiva, com pesadas incriminações que podem significar, se confirmadas, anos atrás das grades. Obviamente, não é o que desejamos para a neurótica motorista e consideramos medida equilibrada o habeas corpus que permitiu a soltura após cinco dias de cela em companhia de outras três criminosas. Depois da exemplar punição, é de se esperar que o antecedente sirva para deter comportamentos similares de outros corruptores arrogantes. Na lógica da imprensa, sabe-se que cachorro que morde homem não faz notícia, mas homem que morde cachorro ganha facilmente a primeira página. Será então que a prisão da rica comerciante foi amplificada com tanta ênfase por essa razão? E não será que ela simplesmente disse a verdade e sua punição representa só a exceção que confirma a regra? Fora de qualquer retórica, considero ignóbil o comportamento da senhora Christiane (que, ditoen passant, além do nome, é, provavelmente, de religião cristã, a deduzir pela quantidade de cruzes penduradas no pescoço e desenhadas em sua camiseta). “Do alto” de sua posição social, ela tentou não só corromper funcionários públicos no exercício de suas funções, mas, para facilitar o suborno, também os humilhou referindo-se aos seus modestos salários. Os que generalizam sobre a corrupção das instituições e, em particular, sobre os malfeitos da polícia e do Poder Judiciário, deveriam refletir a respeito desse pequeno episódio, emblemático de várias contradições nacionais. As células cancerígenas da corrupção brasileira se alimentam da arrogância dos que ocupam posição social dominante e jogam com o poder do dinheiro. A doença espalha-se assim no corpo inteiro da Nação, mas tem matriz muito clara no privilégio. Além disso, o episódio demonstra mais uma vez que a habitual descrição de um poder político corrupto, a pisotear os direitos da sociedade civil virtuosa, é imagem no mínimo distorcida. Ao contrário, trata-se de duas faces da mesma moeda. Considero os policiais e a juíza desse caso como exemplos de pequenas virtudes civis. Por não ser fácil, é, portanto louvável, em certas circunstâncias, cumprir apenas o próprio dever. Sem exagerar no otimismo, devemos lembrar que nas mesmas horas em que Christiane conhecia a prisão, o jovem Thor Batista, filho do empresário Eike e da senhora Luma de Oliveira, recebeu da Justiça um tratamento bem diferente e aparentemente privilegiado. Acusado de homicídio culposo pela morte de um ciclista, ele poderá logo voltar a dirigir: seus advogados conseguiram excluir do processo o laudo que atestava excesso de velocidade quando atropelou o homem da bicicleta. Exemplos menores como esse – até casos mais graves como o de Paulo Maluf, na lista dos procurados pela Interpol e serenamente solto no Brasil – levam a concluir com amargura que a impunidade dos ricos e poderosos, geralmente brancos, continua sendo regra no País. Mas as exceções estão por sorte aumentando e alimentam a esperança.

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