Males que vêm para o bem
O desempenho brasileiro no front externo surpreendeu positivamente os
economistas em setembro. O déficit em transações correntes, que reflete
a necessidade de financiamento do setor público, foi o menor desde
agosto de 2010, ao somar 2,2 bilhões de dólares. A cifra permitiu uma
redução no saldo negativo acumulado em 12 meses, agora em 48 bilhões de
dólares. Um rombo um pouco menos assustador quando comparado com o
estoque de 76,3 bilhões de dólares em investimento estrangeiro direto
(IED), cifra atingida após o ingresso de 6,3 bilhões de dólares no
último mês. A melhora nos resultados veio justamente no mês marcado pelo
agravamento da crise na Zona do Euro, que lançou um nevoeiro de
incerteza sobre o mercado financeiro internacional. Para o Brasil, a
consequência mais visível da turbulência foi a valorização do real ante o
dólar, que em setembro interrompeu a trajetória de alta e caiu mais de
16%, até a cotação de 1,90. Por mais prematuro que seja supor que o
câmbio vai se sustentar no patamar atual, o efeito sobre alguns itens
das contas externas foi quase imediato. “A dinâmica do câmbio depende 100% do que será
decidido na Europa”, afirma o professor da FGV-SP, Fabio Gallo. “Hoje,
temos de torcer contra, porque o único fator capaz de tirar o real da
superapreciação é o medo da crise lá fora.” Segundo o professor, as variações da taxa de câmbio sobre as contas
externas refletem-se de maneira desigual sobre os diversos itens do
balanço de pagamentos. “O impacto é mais rápido na balança de serviços
do que na de comércio.” Ainda que as cotações das commodities tenham
registrado queda em setembro, Gallo acredita que as vendas de produtos
básicos ainda são as grandes responsáveis por manter o superávit
brasileiro nas trocas de mercadorias com o exterior. A indústria da
transformação acena com um déficit de 50 bilhões de dólares até o fim do
ano. O especialista em contas públicas Amir Khair vê nas barreiras às
importações a única maneira de conter o processo de deterioração dos
resultados da balança comercial, cujo superávit caiu de 3,9 bilhões de
dólares para 3,1 bilhões entre agosto e setembro. “Mexer nas exportações
é mais difícil, até porque temos desvantagens competitivas em várias
áreas que independem do câmbio e do custo Brasil. Seria como dar murro
em ponta de faca.” Uma política de desonerações com o objetivo de estimular exportações,
argumenta o economista, teria a desvantagem de exigir compensações por
meio de tributações ainda mais pesadas sobre outros setores ou sobre o
consumo, com prejuízos no mercado interno. A queda da taxa de juros
seria a maneira mais segura de facilitar o financiamento das empresas e
reduzir os encargos da dívida do governo, o que libera recursos para
investimentos. Khair também vê o Brasil numa situação de “quanto pior, melhor” em
relação à crise europeia. “A aposta dos operadores de mercado é que, se
as coisas se acalmarem na Zona do Euro, o câmbio vai se acomodar entre
1,70 e 1,75 real. Acho o patamar ainda baixo para recuperar as contas
externas.”
O
fato é que o real menos fortalecido representa prejuízo para quem envia
dinheiro ao exterior. Daí a queda verificada nas remessas de lucros e
dividendos pelas companhias, que despencaram de 5,1 bilhões para 2
bilhões de dólares entre agosto e setembro. O raciocínio inverso pode
ser aplicado aos investimentos de estrangeiros em negócios no Brasil. Em um comentário voltado a investidores internacionais intitulado
“Que turbulência?”, sobre o balanço de pagamentos brasileiro, a equipe
de análise econômica do Itaú Unibanco ressalta que 86% do IED de
setembro foi direcionado a investimentos produtivos. Esse dado
enfraqueceria as suspeitas de que essa modalidade de ingresso de
recursos tem sido usada para driblar a cobrança de IOF sobre as
aplicações de estrangeiros em títulos públicos. O economista do Itaú Darwin Dib não vê necessariamente como uma
vulnerabilidade o déficit nas transações correntes, hoje equivalente a
2,05% do PIB, uma vez que o ingresso de IED corresponde a 3,3% do PIB.
“O câmbio flutuante reflete o fato de que, hoje, a necessidade de
financiamento do Brasil é muito menor do que a vontade do mundo de
financiá-lo. Não há nada errado em absorver poupança externa se o País
tem o desejo de crescer acima do que permite sua poupança interna.” Embora seja contrário a um controle rígido da taxa de câmbio, Dib
observa que o governo tem se utilizado de instrumentos que permitem
amortecer as variações mais agudas da moeda. “O overshooting (sobrevalorização, no jargão econômico)
do dólar que se seguiu ao agravamento da situação europeia foi o choque
mais curto da história do real, muito menor do que o de 2008. Além das
reservas cambiais em níveis historicamente elevados, havia um estoque de
medidas macroprudenciais prontas a serem utilizadas.” Dib cita o exemplo da alíquota de 1% de Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF) aplicada desde o fim de julho sobre
operações com derivativos cambiais, originalmente com o objetivo de
conter a valorização do real. A medida foi usada, no fim de setembro,
para interromper o movimento contrário, de queda da moeda. Ao dar sinais
de que poderia zerar o tributo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega,
deu força novamente ao real e trouxe a cotação para um nível abaixo de
1,80. A aposta do economista do Itaú é em uma taxa de câmbio estacionada mais perto de 1,80. “A apreciação de hoje (quinta-feira 27, quando o dólar fechou em 1,70)
se deve à euforia por conta das boas notícias que vêm da Europa, mas na
melhor das hipóteses o que se terá por lá é um longo cenário de baixo
crescimento.” De acordo com Dib, o governo deve deixar o câmbio flutuar e
fazer “o que for preciso para melhorar a competitividade da indústria”. E, por que não, contar com uma dose extra de turbulência
internacional que contribua para manter o dólar em patamares que
favoreçam o Brasil na briga por mercados externos.
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